terça-feira, fevereiro 06, 2018

ISADORA, vugo, CARNE DE PESCOÇO

ISADORA, VULGO, CARNE DE PESCOÇO 


Novembro, a mulher conversava na calçada com a vizinha, minha filha brincava no quarto, eu detestava, já havíamos discutido outras vezes com ela sobre o portão escancarado enquanto ela batia papo. Eu não gostava, era a síndrome, o efeito daquele programa que eu com uma certa frequência comecei assistir todas as tardes, só se falava em desgraça, desgraça alheia com todas aquelas mortes, e histórias tristes, de alguma forma aquilo tudo me deixava em alerta.
Teve uma certa vez em que brigamos feio, eu acabara de chegar do trabalho, o portão escacarado, da rua dava para se ouvir a musiquinha do desenho animado, minha filha quando meu viu continuo hipinotizada pelo desenho da porquinha, olhei pelos comodos e nada da mulher, aquilo me deixou possesso, bati na vizinha e lá estava ela, sentada com uma xícara de café na mão, quando me viu esboçou um sorriso, eu simplismente fechei a cara, toda minha raiva fora investida contra o portão, soquei com tanta força o partão ao fecha-lo, que uma parte do reboco se desprendeu do teto.
Ela entrou logo em seguida esbravejando e dizendo que não ia limpar aquela sujeira. Discutimos, ela sabia que estava errada, minha filha sozinha, a casa arreganhada enquanto passava a fofoca em dia e tomava chazinho das cinco.
Naquele dia lembro qua sai, sai pra evitar o pior, meter a mão na fuça dela.
O bar do Arimatéia estava movimentado aquela hora, Denis, Gordo, Rodrigo, Bahia, Paulinha, estavam num papo acalarodo, olhei para mesa e contei 13 garrafas de cerveja, Paulinha quando me viu, levantou e venho me comprimentar, ela perguntou baixinho se eu havia brigado com a carne de pescoço, eu esboçara um sorriso e balançara a cabeça confirmando.
Paula, Paulinha e eu tivemos um lance, algo que ainda não fora terminado, e sempre quando estavamos juntos ela cutucava a velha ferida.
Nesse dia da discução eu fiquei no bar do Arimatéia até às cinco da manhã, às oito eu teria que estar no trabalho, passei em casa, os pedaços do reboco continuavam no mesmo lugar, tomei um banho rápido e sai, antes beijei minha filha, a mulher, era bem provável que estivesse acordada.
Passei pelo bar do Arimatéia rumo ao ponto de ônibus, a porta de aço estava com a metade abaixada, me abaixei pra da uma olhadinha, Paulinha ainda estava, quando ela me viu me agarrou, e insistiu em me levar até o ponto, ela morava pertinho, bastava subir o escadão, ela insistiu, queria a todo custo me fazer um café, eu sabia qua as intenções dela eram outras, entramos.
Sou acordado com barulho de copos caindo e se quebrando pelo chão, uma pistola agora está apontada pra minha cara, Paulinha está nua, dorme profundamente ao meu lado, aquela arma apontada, o cara raivoso vai até pia e enche um copo com água, joga no corpo da Paulinha, ela dá um pulo, e começa a xingar.
-Abaixa o tom filha da puta, que porra é essa, que porra é essa, ein?! Quem é esse comédia que tá fodendo a piranha da minha irmã?! Rapa daqui filho da puta, depois eu acerto as coisas com você!
Eu tive que sair, passei a maior humilhação da minha vida, o filho da puta não deixou que eu pegasse minhas roupas, sai rua afora só de cueca.
Apertei a campanhia, a vizinhança toda me olhando, alguns riam, eu não sabia onde enfiar a cara, a minha mulher também aproveitou, eu esmurrava o portão, chamava ela, só depois de uma eternidade ela abre o portão, ela não diz nada, minha filha está arrumada, pronta para a escolinha, as duas então saem, eu sinto o olhar fuminante de ódio da minha esposa.
Aquela dia eu não fui trabalhar, nem no seguinte, foram quatro canos, quando eu voltei, vi nitidamente na cara de todos o olhar de piada, o bahia espalhou geral, a minha chegada triunfante naquela manhã primaveriu.
Virei piada, e pra completar fui demitido.
A mulher depois do ocorrido, há alguns dias não me dirigia a palavra, ela começou a me odiar, eu não sentia o seu ódio travestido de perdão.
Passara-se semanas e aos poucos as coisa fora se normalizando, a velha rotina, eu continuava em casa, estava desempregado, a mulher seguia com as suas manias, o portão escancarado, de vez em quando eu colava no bar do Arimatéia, mas caia fora quando começavam com as piadinhas.
A Paulinha depois daquele dia nunca mais vi.
Os meus amigos disseram pra eu ficar esperto, o irmão dela não ia deixar barato, ele era assaltante de banco, e era quem cuidava dela, eles eram orfãos, e o amor que ele tinha pela Paulinha era quase que de um pai, daqueles pais bem rígidos.
Eu lia PARIS É UMA FESTA do Remingway, minha filha assistia tv, o portão escancarado, eu já nem me importava mais.
-Você é o Ricardo?!
-Que porra é essa, quem são vocês?!
Minha filha sai gritando de encontro a mim, eles a empurram.
O primeiro tiro rasga minha orelha, o segundo na barriga, o terceiro no peito, eu caio, a vista começa a fica turva, as páginas, as palavras são invadidas pelo vermelho vivo do meu sangue.
Acordei num domingo, minha filha estava ali parada, eu olhava para ela e só via aqueles olhinhos de espanto, lembrando vagamente daquele dia dos tiros.
Eu apaguei por longos três meses, foram três mese em côma, tivemos que mudar do bairro, uma casa maior espaçosa. A mulher se redobrava nos cuidados, apesar de tudo, voltamos a ser uma família de novo.
Tive que me reabilitar, aprender, começar de novo, a cadeira de rodas me faria companhia diariamente, na verdade ela estaria presente pelo resto da minha vida.
Durmia mal, os pesadelos me assombravam, a tristeza escostando pelos cantos da minha nova vida.
Nos meus sonhos, pesadelos, uma voz me assombrava, era uma voz parecida com a voz da minha mulher, essa voz  ria, ria muito, o portão rangia escancarado, a tv parecia estar no último volume, um filme do programa do Marcelo Rezende passava, eram pequenos flashs, cenas, pessoas ensanguentada, morte, a voz ria....ria muito, sussurros, a voz soletrava: VOCÊ VAI PAGAR, E U V O U M E V I N G A R...ME VINGAR...
Foram meses onde onde eu me sentia aprisionado. Pensava naquele dia, eu só de cueca depois do goso. Pensava na Paulinha e no filho da puta do irmão dela, ele me colocou na porra dessa cadeira, filho da puta sádico, só por causa de uma trepada, vai ver ele comia a própria irmã, é...ele comia a Paulinha, ciumento desgraçado, foi por isso, era isso, o ciúme da irmã, foi por isso.... eu estava enloquecendo naquela cadeira de rodas.
Eu queria sair daquele pesadelo.
Um belo dia sou acordado, a janela é escancarada, os primeiros raios de sol miram minha filha que chora copiosamente, a casa está tomada por policiais, no canto minha mulher algemada me encara com um olhar frio.
Agora aqueles risos que por tanto tempo me assombravam, são reais, o riso invandiu todo o quarteirão estraçalhando mais ainda minha fodida alma.
Josh